quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O educador Eduardo Mortimer dedica sua vida a qualificar professores.


As vias do sucesso

Em entrevista ao ‘Alô, professor’, Eduardo Mortimer, autor de livros didáticos de química e sobre o ensino de ciências, defende investimento maciço na educação como forma de o Brasil se tornar competitivo e lista os passos necessários para o país chegar lá.
Por: Helena Aragão
Publicado em 04/01/2012 | Atualizado em 04/01/2012
As vias do sucesso
Aprender a ensinar: educador com publicações celebradas no exterior, só agora Eduardo Mortimer começa a ser sondado para lançamento no Brasil. (foto: Selva de Esmelle/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
Eduardo Mortimer dedica sua carreira acadêmica a ajudar professores de química e de ciências a superar as dificuldades de ensino. Com formação na área e mestrado e doutorado em educação, ele coordena um grupo de acompanhamento continuado de professores na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o FoCo, e tem uma extensa lista de livros e artigos publicados, vários em colaboração com colegas estrangeiros.
Os livros de Mortimer confrontam as particularidades do ensino em países com graus de desenvolvimento variados
Por isso, em muitos deles as particularidades do ensino no Brasil e em países desenvolvidos, como os escandinavos e a Inglaterra, são confrontadas a fim de gerar reflexão sobre os diferentes métodos e realidades.
Duas dessas obras têm chamado atenção pela perenidade. O livro didático Química para o ensino médio, lançado em 2002 com Andrea Horta, está entre os selecionados pelo Programa Nacional do Livro Didático (e na edição de 2012 ganhou volume extra com questões atuais, como o aquecimento global).
Meaning making in secondary science classroom, escrito em 2003 com o inglês Phill Scott, recebeu homenagem recente do Departamento de Educação em Ciências e Matemática da Universidade de Estocolmo (Suécia), além de continuar repercutindo na Europa e nos Estados Unidos.
No Brasil, só agora é alvo de negociações para um possível lançamento. Enquanto isso, Mortimer prepara uma sequência da obra focada no ponto de transição entre os momentos de diálogo e de autoridade de um professor em sala de aula e está concluindo um novo livro, sobre a convivência entre conceitos científicos e cotidianos.
Em entrevista ao Alô, professor, ele detalha essas e outras questões, lista os passos necessários para o Brasil ter um bom ensino de ciências e avalia o impacto das novas tecnologias na relação de alunos e professores.
CH On-line: Por que o livro Meaning making in secondary science classroom, de 2003, não foi publicado no Brasil?
Eduardo Mortimer: Acho que no Brasil as pessoas estão correndo atrás de seus próprios produtos e não dão importância às obras que têm repercussão. No caso desse livro, ele ainda está tendo uma boa repercussão nos países escandinavos, além da própria Inglaterra, França e Espanha, e também nos Estados Unidos. Agora surge a chance de Meaning making ser traduzido pela Editora UFMG. Mas há alguns artigos que foram publicados na mesma época, em português, que cumprem bem a função de divulgar o conteúdo.
Por que acha que o livro teve um caminho bem-sucedido, a ponto de você ter recebido uma homenagem do Departamento de Educação em Ciências e Matemática da Universidade de Estocolmo?
O livro traz dois casos bem-sucedidos de professores, um na Inglaterra e outro no Brasil. Isso tem boa repercussão, não só na comunidade de pesquisadores da área de ensino de ciências, mas também entre professores que refletem sobre sua própria prática. Além disso, colocamos as questões mais técnicas em um apêndice e pudemos fazer o livro mais direto, sem perder a profundidade da análise.
Por que sentiram necessidade de escrever uma sequência agora? Quando será lançada? Há intenção de publicá-la no Brasil?
Um dos temas centrais que o livro Meaning making aborda é a alternância, na prática dos professores experientes e bem-sucedidos, entre um discurso dialógico, que explora os vários pontos de vista trazidos pelos estudantes, e um discurso de autoridade, em que apenas o ponto de vista das ciências é considerado. Muito do discurso da ciência é um discurso de autoridade.
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O educador Eduardo Mortimer dedica sua vida a qualificar professores. (foto: divulgação)
Mas se é verdade que essa alternância entre discursos dialógicos e de autoridade é fundamental para o bom desenvolvimento das aulas, então deve haver um ponto de transição entre eles, o que muitas vezes ocorre espontaneamente, mas que em grande parte pode ser planejado pelos professores. Foi esse ponto de transição que começamos a explorar no segundo livro, porque ele nos parece fundamental para podermos planejar bem uma sequência de ensino.
Estávamos no meio da produção desse segundo livro quando o meu amigo e colaborador Phil Scott, da Universidade de Leeds, faleceu. Isso adiou um pouco os planos para terminá-lo. Ele deve ficar pronto apenas em 2013. 
Qual é o outro livro que está em produção? 
Chama-se Conceptual profile: a theory of teaching and learning scientific concepts. Ele está sendo editado por mim e pelo professor Charbel El-Hani, da Universidade Federal da Bahia. Trata-se de um livro em que reunimos a produção de teses e dissertações ligadas ao modelo dos perfis conceituais, uma ideia que lancei em 1995, em artigo publicado na Science & Education.
Na época, estavam no auge os modelos de mudança conceitual, segundo os quais a construção de conceitos científicos se dava à custa dos nossos conceitos cotidianos, pois uns eram considerados incompatíveis com os outros. A ideia dos perfis conceituais, inspirada inicialmente nos perfis epistemológicos de Bachelard, defendia que poderia haver convivência entre conceitos científicos e cotidianos, desde que fossem claramente demarcados e aplicados a contextos diferentes.
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'Meaning making in secondary science classroom', escrito em 2003 com o inglês Phill Scott. (foto: divulgação)
Por exemplo, não há como suprimir nossos conceitos cotidianos de calor. Ele se opõe a uma outra entidade, o frio. Dessa forma, quando chegamos a uma loja e desejamos comprar uma roupa de frio, pedimos “uma blusa bem quente de lã”. O vendedor não nos entenderia se pedíssemos “uma blusa feita de um bom isolante térmico que impeça meu corpo de trocar calor com o ambiente”. 
Nesse caso, usamos a linguagem cotidiana e ela é perfeitamente adequada para resolver nosso problema. No entanto, quando temos que decidir entre copos de vidro e de alumínio para beber algo gelado num dia quente, essa mesma situação cotidiana exige um raciocínio científico para dizer que o vidro é mais recomendável por ser melhor isolante térmico, dificultando a troca de calor com o ambiente. Nesse caso, não nos deixaríamos trair pela sensação ‘mais fria’ que o copo de alumínio transmite.
Nos dois casos temos um exemplo da importância de tomar consciência dos nossos conceitos cotidianos e de diferenciá-los dos conceitos científicos para realmente aprender a usar estes últimos. 
Como professores de escolas brasileiras sem equipamentos adequados ou laboratórios podem ser estimulados a promover interação? 
Há algumas dificuldades básicas que os professores brasileiros passam para instaurar a interação e o diálogo em sala de aula. A primeira delas é o número de alunos em sala. Nas salas de aula de química e física em que tive a oportunidade de estar, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos e na França, há entre 25 e 30 alunos por classe. Isso facilita enormemente a interação, pois para que ela ocorra efetivamente o professor deve se dirigir aos alunos pelo nome quando faz uma pergunta e não lançar a questão a toda a classe. Nesse caso, serão sempre os mesmos – aqueles que já sabem – que responderão.
“Um problema grande no Brasil são as turmas com 50 alunos”
 Além do número muito alto de alunos em sala – um problema grande no Brasil, pois mesmo escolas particulares consideradas boas têm turmas com 40 a 50 alunos –, o professor tem que ter dedicação exclusiva a uma única escola, pois dessa forma terá menos aulas para ministrar e mais tempo para preparar aulas. 
Além disso, o professor precisa ter um espaço adequado, onde possa acumular materiais e aparatos experimentais para usar com seus alunos. Nesse caso, quem deve trocar de sala deve ser o aluno e não o professor. E, é claro, o professor precisa de um salário digno, compatível com uma profissão trabalhosa e complexa. 
Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália, essa é a realidade. Portanto, se quisermos nos tornar uma economia mundialmente competitiva, temos que investir maciçamente na educação, garantindo no mínimo essas quatro coisas a que fiz referência.
Como desafiar os novos professores a preparar um material didático mais estimulante, levando em conta os potenciais das novas tecnologias? 
Considero que há uma distância importante entre o que os alunos geralmente sabem fazer em termos de tecnologias da informação, principalmente no uso da internet, e o que os professores sabem. A internet não tem mais do que 20 anos, e é raro encontrar um professor que já nasceu vivenciado esse ambiente. Já os alunos desde muito cedo estão imersos na internet. Hoje as crianças já estão usando o computador antes de se alfabetizarem. Isso cria uma diferença importante na familiaridade com o computador. 
Considero que devemos usar isso para tentar motivar os alunos a estudar as ciências. Ou seja, temos que pesquisar como o aluno está usando a internet, descobrir meios de fazê-lo se interessar pelas aulas de ciências por meio desses modos de uso. Sei que muito disso tem sido feito em relação à literatura, onde os alunos participam de blogues e sites específicos sobre autores, livros etc. Muito ainda terá que ser feito para garantir uma produção efetiva de softwares para o ensino de ciências.

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